“É preciso combinar com os russos!”
Teria dito Mané Garrincha antes de um jogo da Copa do Mundo de 1958.
A mídia tradicional vem
“denunciando” a Rússia por ter anexado a região de Crimeia e de ingerir em
assuntos internos da Ucrânia como fazer parte de uma organização militar como a
OTAN. Tudo será analisado por uma nova
ótica neste artigo. Mas antes temos que saber se os russos têm cacife para se
contrapor os norte-americanos (e, portanto, a OTAN) em termos bélicos. Este
assunto é tratado em dois livros de Andrei Martyanov, ex militar soviético e
hoje, consultor do Pentágono sobre o tema Rússia.
Depois da queda da União Soviética,
a indústria bélica americana investiu pouco em novas tecnologia, já que não
necessitava de muita sofisticação para enfrentar guerras regionais, notadamente
no oriente médio. Na última década do século passado, sob o comando de Boris
Yeltsin, a Rússia, em crise, tratou de diminuir o potencial bélico. A China
estava muito atrás tecnologicamente na produção de armamentos. Não havia razão
para a indústria bélica dos Estados Unidos investir em tecnologia.
Com a chegada de Putin e Medvedev ao
poder a Rússia passou a investir em tecnologia bélica de forma que, segundo
Martyanov, em vinte anos ultrapassou, e muito, em termos qualitativos, os
Estados Unidos. É verdade que os americanos têm muito mais armamentos
espalhados em redor do mundo, mas o russos hoje podem atacar os alvos com
precisão cirúrgica, sem serem interceptados. Já o sistema de defesa é capaz de
rastrear e impedir a entrada de mísseis lançados a 500 km de distância em todo
seu território. Em uma guerra de curto prazo os russos levam vantagem sobre os
americanos. Embora se esta suposta guerra se prolongar, os ianques recuperam a
vantagem. Ou seja, Washington e Nova
Iorque estão bem mais vulneráveis que Moscou e São Petersburgo em um primeiro
momento.
Agora vamos entender por que os
russos tomaram a Crimeia. Esta Região Autônoma pertenceu a Rússia até 1962,
quando foi transferida para a Ucrânia por questões de proximidade e logística.
Este fato foi aceito com muita naturalidade, pois na época em que Nikita
Kruchev (bielorrusso, de nascimento) governava, a Rússia e a Ucrânia faziam
parte de um só país. A União Soviética. Com o desmembramento da URSS, a Região
Autônoma continuou pertencendo a Ucrânia, sendo que três quartos da população
era russa. Depois de muito debate marcaram para 2014 um plebiscito para a
população da Crimeia decidir a qual país pertenceria.
Uma semana antes do plebiscito, o
presidente ucraniano foi deposto, acusado de corrupção. Parece que era corrupto
mesmo, pois até Putin confirmou. O novo governo cancelou o plebiscito, porém o
governador da região autônoma autorizou. O comparecimento foi em massa, mais de
noventa por cento votaram e destes noventa e seis por cento foram favoráveis a
Rússia. A maioria dos ucranianos da Região, portanto, foram favoráveis.
A Crimeia foi anexada sem nenhuma
reação da população. Há uma base militar russa em Sebastopol, capital da
Região, que garantiu a anexação. Porém o governo ucraniano tentou reagir, porém
encontrou resistência dentro do próprio país, principalmente na região de Donbass.
Através de decreto, o ucraniano tornou-se língua oficial e deixou-se de
reconhecer a dupla nacionalidade russo-ucraniano. Isto criou revolta no leste
do país, pois a maioria da população falava a língua russa e pertencia a esta
etnia. Tomou força um grupo separatista que defendem a anexação pela Rússia.
Para resolver este impasse,
reuniram-se em Minsk representantes da Bielorrússia, Ucrânia, Rússia, França e
Alemanha. Decidiram que a região de Dombass, de maioria russa, seriam divididas
duas regiões autônomas, pertencentes à Ucrânia. Este acordo não foi
implementado até o momento.
Embora a Rússia venha fornecendo
maciçamente passaporte russos aos ucranianos de origem russa (nada estranho: eu
como brasileiro posso pedir cidadania italiana, libanesa ou japonesa, devido
minha ascendência), não existe nenhuma intenção ou interesse na anexação. Donbass
é uma região agrícola, com terras muito férteis, porém sem muita infraestrutura
industrial. A maioria dos grãos produzido se destina a própria Rússia e países
europeus.
Faria sentido o Brasil reivindicar parte do
Paraguai habitado por sojicultores brasileiros? Há um boato que um movimento
neste sentido já ocorreu, quando o Governo do Paraguai apertou o cerco para
evitar contrabando de soja para o Brasil através da fronteira. Claro que o
Brasil nem o Paraguai levou a sério! Hoje em dia os estados-nacionais perderam
o domínio sobre o mercado a ponto de países inimigos entre si fazerem comércio
livremente. Um incidente como entre o Brasil e a Bolívia em relação ao Acre não
existiria mais hoje em dia.
A Crimeia é estratégica para o Rússia porque
proporciona maior domínio sobre o Mar Negro. A Região de Donbass tem pouco
interesse estratégico para a Rússia. Para os russos Donbass deve continuar Ucrânia.
Até porque é uma garantia de pressão interna em favor dos interesses russos no
país vizinho. Como por exemplo a resistência a um futuro ingresso na OTAN.
Mesmo porque, de um modo geral, a população ucraniana e russo-ucraniana não são
conflitantes.
Os russos só invadirão a Ucrânia se for
confirmado sua entrada na OTAN, ou que seja instalado alguma base militar em
seu território. Neste caso a ocupação será medida em dias, senão horas. Não só
pela diferença no poderio militar, mas também porque parte da população, neste
caso, apoiaria a invasão. Se tropas da OTAN entrar em combate, suas bases
correrão perigo de ataques, não só na Europa, mas em todo o mundo. Até nos EEUU!
Aqui entra outros atores na geopolítica. China
e Taiwan. Embora a China não reconheça Taiwan como país, existem entre eles
intensas relações comerciais. A estratégia da China com relação a região
rebelde, não é tomá-la fisicamente em um primeiro momento, mas torná-la
dependente economicamente. Até o dia em que os taiwaneses chegarem à conclusão
que vale a pena fazer parte da China.
Porém a China mantém com a Rússia uma parceria
estratégico-militar. Não que o país asiático vá brigar com a OTAN na Europa. O bem
provável que em caso se iniciar um conflito na Europa a China vá agir no
sentido da anexação de Taiwan, deixando os americanos divididos em duas frentes.
Hoje Putin e Xi Jinping se reunirão na China
para a abertura das olimpíadas de inverno. O líder chinês reiterou seu apoio
incondicional à Rússia na crise com a OTAN e os EUA.
Os russos afirmam que não aceitarão a expansão
da OTAN um milímetro em direção ao seu território. Será que os americanos e
europeus vão pagar para ver? Tudo indica que esta crise visa apenas fomentar a
venda de armamentos para países do leste europeu. É mais uma grande batalha de
Itararé!