Sou alérgico
ao ódio. Toda vez que meu coração se encheu de ira, passei literalmente mal.
Não tenho inimigos pessoais. Inimigos de classe, sim. Mas quem não os tem? O
homem deixa de ser humano quando deixa de se indignar pelas injustiças no
mundo! Quando falo “inimigo de classe”, não estou me referindo ao poder formal, mas o
poder de fato. Também não sinto ódio pelos políticos profissionais, meros
chefetes de um sistema corrupto.
Por exemplo:
Meu pai foi preso e torturado pelo DOI-CODI, órgão de repressão da ditadura
militar, em 1975. Um dia me senti questionado. E se hipoteticamente alguém
amarrasse um dos torturadores do meu pai, amarrasse em um poste e me desse um
porrete? O que eu faria? A resposta veio de um amigo: “largaria o porrete e seguiria meu
caminho!” Porque espancar um imbecil atormentado?
Alguém pode
até me questionar. “Você já matou baratas, mosquitos, pulgões e lagartas! Até
rato e cobra você já matou!” O fiz por motivos pragmáticos. De alguma forma
estes insetos contribuem para a negação da nossa existência. Seja pela doença
ou pela fome. Já matei cobras porque tinha medo delas. Hoje me arrependo! Os
três ratos que matei até hoje me encheram de remorso. Toda vez que vou cozinhar
feijão, penso nas milhares de vidas que morrem na água fervendo. Um quilo de
feijão são cinco mil embriões de uma nova planta!
Nunca me meti
em brigas, nem quando criança! Ou resolvo diplomaticamente ou recuo, esperando
uma nova oportunidade para ocupar meu espaço. Deus me deu muita inteligência e
paciência e estou agradecido por isso! “Quem brigam são os animais, que não
pensam!” Dizia minha avó.
Algumas
pessoas me “xingam” de comunista. Outros me aceitam como tal, mas têm outra
concepção para a palavra. Tudo questão de semântica! “Ser ou não ser eis a
questão!” Vou usar o darwinismo, ciência que domino um pouco mais, para explicar que
tipo de sociedade eu gostaria de construir. Mutualismo – todos fornecem
aquilo que podem produzir e todos recebem o que necessita. Mas uma sociedade
assim seria possível? Na sociedade moderna valoriza-se muito a competição.
Será que a competição é mais eficiente na seleção natural que o mutualismo?
É bom observar
que no mutualismo não existe igualdade entre os seres vivos, pois cada um tem
suas necessidades e suas potencialidades.
Mas antes de
responder quero falar sobre a relação de amor e ódio entre o predador e a
presa. O leão não odeia o búfalo. O leão vê no búfalo uma fonte de alimento
para si e para sua família. O búfalo não odeia o Leão. Mas o búfalo mata o leão
para proteger a si próprio e ao rebanho. O Leão quando não está com fome vê um
búfalo e não deseja sua morte, o mesmo sentimento é compartilhado pelo búfalo
em relação ao leão, quando o vê descansando com sua família. O búfalo e o leão
não são inimigos pessoais. São “inimigos de classe”!
Não há como estudar biologia sem conhecer as
leis físicas da termodinâmica. A segunda lei é a chamada “entropia”. Todo
sistema ordenado tende a se desfazer na unidade do tempo até ficar totalmente
desordenado. Para restaurar a ordem é necessária fornecer energia ao sistema. Em
um sistema de predação ou parasitismo a entropia acontece mais rápido, já que a
vida de um depende da morte ou enfraquecimento do outro. No caso do mutualismo
o processo de entropia acontece mais devagar, pois todos aproveitam da energia
que sobra no sistema para se desenvolver. Tanto é verdade, que o mutualismo é a
forma de associação mais comum entre os seres vivos. Colônias de formigas ou cupins são ecologicamente bem sucedidas em todo o mundo. Em qualquer pedra ou casca de arvore encontra-se liquens, associação entre algas e fungos. Mesmo na cadeia alimentar podemos observar associações positivas: quando um pulgão se alimenta
de uma planta, vem uma joaninha se alimenta do pulgão, favorecendo a planta. A joaninha tem seu alimento e a planta se livra da praga. Se
todos os leões forem mortos, os búfalos vão destruir toda a pastagem, e
acabarão por morrer também. O leão precisa do capim e o capim precisa do leão.
Nós humanos não viveríamos sem as bactérias. Existem mais bactérias no nosso
organismo que células humanas. Precisamos das bactérias para melhor aproveitar
os alimentos que ingerimos. Precisamos de bactérias para nos proteger de
patógenos que nos causariam doenças. Vivemos também em uma relação simbiótica com
ácaros na nossa pele.
É
preciso muito cuidado ao associar o darwinismo com a sociedade humana. A
ascensão do nazismo foi devida, entre outras teorias, o chamado “darwinismo
social”. Mas aqui apenas faço um paralelo para mostrar que o sistema
capitalista não é ecologicamente sustentável. Vou tratar da espécie humana como
um todo, sem nenhuma discriminação. O capitalismo é baseado no consumo. Na
“predação” dos recursos naturais. Quanto mais se consome necessita-se mais
recursos naturais. Só se recicla o que é viável economicamente. O capitalismo
apenas prospera em ambiente de superabundância de recursos. Criam-se sempre novas
necessidades, muitas vezes supérfluas. Nenhum bem durável pode ser durável a
ponto de saturar o mercado. Tudo um dia tem que ser descartado! Capitalismo e sustentabilidade são como óleo e
água. Não se combinam. Porém, no momento, o sistema capitalista é mais
eficiente que um sistema “mutualista”. Este é o motivo pelo qual todas as tentativas históricas
neste sentido foram frustradas. Ou decretaram falência como na URSS ou tiveram que
retroceder como na China.
É
claro que os trabalhadores e pessoas desempregadas têm mais interesse em um
sistema onde todos fornecem aquilo que podem produzir e todos recebem o que
necessitam. Esta classe social tem menos vantagem em um sistema de economia
de mercado e serão elas as primeiras a tentarem mudar seus paradigmas. Por este
motivo quem tem ideias “mutualista” deve tratar este grupo social com mais
carinho e deverá estar sempre disposto a apoiar suas reinvindicações.
Em determinado momento histórico,
no futuro, o sistema capitalista não terá condições de se auto sustentar. Por falta
de matéria prima, a produtividade do trabalho vai começar a cair até um ponto
crítico. É obvio que os grandes grupos econômicos farão de tudo para se
manterem de pé. Haverá muito desemprego e pouca gente para comprar as
mercadorias. Não havendo como abaixar o preço, devido ao alto custo de produção, o sistema entrará em colapso. Será a última de suas crises cíclicas! Neste momento há três possibilidades.
1 1. Uma
convulsão social que leve, senão a extinção da espécie humana, um retrocesso de
centenas de anos na história.
2 2. Uma
mudança de paradigmas conflituosa havendo grandes guerras. Ao contrário
das guerras que são programadas pelos poderosos, este conflito acontecerá
objetivamente através de uma revolta popular que só terminará com a vitória dos
oprimidos. Estes construirão uma nova sociedade. De início não haverá
mutualismo. Haverá muitas disputas por hegemonia, os governos serão fracos e
autoritários, com muita atrocidade. Com o tempo as coisas vão se acertando e
começa a construção de uma nova sociedade. Depois de um processo educativo que
levará várias gerações, será possível chegar a uma sociedade com tendências ao
mutualismo.
3. As classes dominantes (os ricos empresários) estarão tão enfraquecidas que se deixarão dominar pacificamente. Alguns capitalistas poderão até fazer acordos com os novos detentores do poder e se adaptará aos novos paradigmas. Nem por isso a ruptura deixará de ser traumática. Haverá de início, muita opressão e autoritarismo. Com o tempo as forças vão se acomodando, de modo que uma democracia social tomará conta de todo o planeta. Como no caso anterior, serão necessárias várias gerações para que se volte a ter abundância e um povo educado a ponto de consumir apenas o que necessita.
N Nesta época não haverá estados ou países conforme
conhecemos. Não haverá necessidade de fronteira, exercito e polícia. Nem mesmo
cadeia. A população mundial estará tão educada que a pior das punições será o “ostracismo”.
As pessoas que errarem será considerado indigno. Mas o perdão virá da
autocrítica (aceitar sinceramente a culpa e não apenas prometer não mais voltar a
cometer erros). É estar sinceramente comprometido com a reparação. Com a
reciclagem quase total dos resíduos, o ser humano não necessitará de tantos recursos quanto hoje. Boa parte do planeta poderá ser reconstituído. Viveremos em uma
sociedade global em que cada um cuida de todos e todos cuidam de cada um e do mundo que nos cerca.
Viveremos em um mundo sem ódio. Quem
ler o livro de Apocalipse poderá observar a “batalha entre o mal e o bem”, com
a vitória deste último. Qualquer semelhança com a saga rumo a uma sociedade
“mutualista” não é coincidência. É a realização de um sonho da humanidade,
desde a divisão social do trabalho, há dez mil anos. Em uma sociedade
“mutualista” não haverá igualdade total entre os homens porque isto seria
injusto. Cada pessoa tem suas necessidades. Cada pessoa tem sua capacidade.